terça-feira, 19 de outubro de 2010

MARCOS HISTÓRICOS E LEGAIS- POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

  • No Brasil, o atendimento as pessoas com deficiência teve início à época do Império com a criação de duas instituições: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos em 1854, atual Instituto Benjamin Constant - IBC e o Instituto dos Surdos Mudos em 1857, atual Instituto Nacional da Educação dos Surdos – INES, ambos no Rio de Janeiro. No início do século XX é criado o Instituto Pestalozzi - 1926, instituição particular especializada no atendimento às pessoas com deficiência mental; em 1954 é fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE.
  • As ações voltadas ao atendimento educacional de pessoas com deficiência fundamentavam-se nas disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº4.024/61, que apontava o direito dos “excepcionais” à educação, preferencialmente dentro do sistema geral de ensino. Em 1970 foi criado no MEC, o Centro Nacional de Educação Especial – CENESP, responsável pela gerência da educação especial no Brasil, que sob a égide do discurso integracionista, impulsionou ações educacionais voltadas às pessoas com deficiência e às pessoas com superdotação.
  • A Lei de Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, nº 5.692/71, ao referir-se a “tratamento especial” para os alunos com “deficiências físicas, mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto a idade regular de matrícula e os superdotados”, reforçou a organização da Educação Especial de forma paralela à educação comum, gerando o entendimento de que alunos “atrasados” em relação a idade/série eram deficientes mentais treináveis.
  • A Constituição Federal, 1988, é fundamentada na promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, define, em seu artigo 205, a educação como um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Estabelece, ainda, no artigo 206, como um dos princípios para o ensino, a igualdade de condições de acesso e permanência na escola. No artigo 208, garante como dever do Estado, o acesso aos níveis mais elevados do ensino, bem como a oferta do atendimento educacional especializado.
  • O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8069/90, reforça os dispositivos legais, ao determinar que "os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino" (ECA, 2001, Art.55). Nessa década, documentos internacionais como a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994), passam a influenciar a formulação das políticas públicas da educação brasileira.
  • Em 1994 é publicada a Política Nacional de Educação Especial, que orientou o processo de integração instrucional e condicionou o acesso às classes comuns do ensino regular àqueles que "(...) possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais”. (MEC/SEESP, 1994, p.19)
  • A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 define no artigo 58, a educação especial como modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para os educandos com necessidades especiais. No seu artigo 59, preconiza que os sistemas de ensino deverão assegurar aos alunos “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica para atender às suas necessidades" e a aceleração de estudos para que alunos superdotados possam concluir em menor tempo o programa escolar. Nesse sentido, o artigo 24 deixa claro a “possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado”, como uma tarefa da escola.
  • Assim, a LDB define como responsabilidade do poder público a efetivação da matrícula na rede regular de ensino e a oferta de serviços de apoio especializados. No entanto, manteve a concepção tradicional de educação, ao prever classes, escolas ou serviços especializados para alunos considerados sem possibilidade de serem integrados no ensino regular em razão de condições específicas.
  • Em 1999, o Decreto 3.298 regulamenta a Lei nº 7.853/89, ao dispor sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, define a educação especial como modalidade transversal aos níveis e modalidades de ensino e, contraditoriamente, no seu artigo 24, condiciona a matrícula compulsória na rede regular de ensino às pessoas com deficiência consideradas ‘capazes de se integrar’.
  • Diante das mudanças, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução CNE/CEB nº 2/2001, determinam, no art. 2º que:
Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos. (MEC/SEESP, 2001).
  • No entanto, as Diretrizes como um dos documentos orientadores para a inclusão educacional, por um lado ampliam o caráter da educação especial para realizar o atendimento complementar ou suplementar a escolarização e, por outro lado, reduzem esse potencial quando mantém a educação especial como modalidade substitutiva à educação comum. Dessa forma, não fortalece a adoção de uma política de educação inclusiva e o enfrentamento dos desafios necessários.
  • O Plano Nacional de Educação - PNE, Lei Nº 10.172/2001, delega funções no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, estabelecendo objetivos e metas para que os sistemas de ensino favoreçam o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos. No seu diagnóstico, aponta um déficit nos sistemas de ensino em relação à política de educação especial, referente à oferta de matrículas para alunos com deficiência nas classes comuns do ensino regular; à formação docente; às instalações físicas e ao atendimento especializado.
  • O PNE destaca que “o grande avanço que a década da educação deveria produzir seria a construção de uma escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade humana”. Entretanto, a análise das metas estabelecidas para a educação especial denotam contradições ainda vigentes no sistema escolar ao enfatizar o incremento das classes especiais e o modelo da integração. (PNE, 2001, p.205)
  • A Convenção da Guatemala (1999), promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.956/2001, reafirma que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que as demais pessoas, definindo discriminação como:
(...) toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais.
  •  Esse Decreto tem importantes repercussões na educação, exigindo uma reinterpretação da educação especial, compreendida no contexto da diferenciação adotada para promover a eliminação das barreiras que impedem o acesso à escolarização. Dessa forma, não se pode impedir ou anular o direito à escolarização nas turmas comuns do ensino regular, pois estaria configurando discriminação com base na deficiência.
  • Na perspectiva da educação inclusiva, a Resolução CNE/CP nº1/2002, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, definem que as instituições de ensino superior devem prever em sua organização curricular formação docente voltada para "o acolhimento e o trato da diversidade", que contemple conhecimentos sobre "as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais" (MEC/SEESP p. 291).
  • A Lei nº 10.436/02 reconhece a Língua Brasileira de Sinais como meio legal de comunicação e expressão, determinando que sejam garantidas formas institucionalizadas de apoiar seu uso e difusão, bem como a inclusão da disciplina de Libras nos cursos de formação de professores e parte integrante do currículo.
  • Em 2003, o Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial implanta o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, com o objetivo de transformar os sistemas de ensino em sistemas educacionais inclusivos, promovendo um amplo processo de sensibilização e formação de gestores e educadores nos municípios brasileiros para a garantia do direito de acesso de todos à escolarização, a promoção das condições de acessibilidade e a organização do atendimento educacional especializado.
  • Em 2004, com base no Decreto nº 3.956/2001, o Ministério Público Federal publica o documento O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular, com o objetivo de divulgar os conceitos e diretrizes mundiais da inclusão das pessoas com deficiência na área educacional, reafirmando o direito e os benefícios da escolarização de alunos com e sem deficiência nas turmas comuns do ensino regular.
  • O Decreto nº 5.296/04 que regulamenta as leis nº 10.048/00 e nº 10.098/00 estabeleceu condições para a implementação de uma política nacional de acessibilidade, trazendo conseqüências práticas que induzem a uma mudança de postura na sociedade para a garantia da acessibilidade as pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.
  • O Decreto nº 5.626/05 regulamenta a Lei nº 10.436/2002 e dispõe sobre a inclusão da Libras como disciplina curricular, a formação do professor, instrutor e tradutor/intérprete de Libras, a certificação da proficiência em Libras, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua para alunos surdos e a inclusão de alunos surdos com a organização da educação bilíngüe nos sistemas de ensino.
·         A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU em 2006, da qual o Brasil é signatário, desloca a idéia da limitação presente na pessoa para a sua interação com o ambiente, definindo no seu artigo 1º, que:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
  • Dentre os compromissos assumidos pelos Estados Parte para assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de ensino, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, compatível com a meta de inclusão plena está a adoção de medidas para garantir que:
a)As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino fundamental gratuito e compulsório, sob alegação de deficiência;
b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino fundamental inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem. (Convenção da ONU, 2006, Art.24).
  • Em 2006, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, o Ministério da Educação, o Ministério da Justiça e a UNESCO lançam o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos inserindo o Brasil na Década da Educação em Direitos Humanos prevista no Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos. O Plano define ações para fomentar no currículo da educação básica as temáticas relativas às pessoas com deficiência e para desenvolver ações afirmativas que possibilitem inclusão, acesso e permanência na educação superior.
  • No contexto do Plano de Aceleração do Crescimento, o Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE, enfatiza o desenvolvimento humano e social e a educação como prioridade e no Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, Decreto nº 6.094/2007, estabelecem diretrizes para garantia do acesso e permanência no ensino regular e atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos, fortalecendo a inclusão educacional nas escolas públicas.



Fonte: BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília: MEC/SEESP, 1994.

COMPETÊNCIAS PARA ENSINAR

RETIRADO DA OBRA DE PHILIPPE PERRNOUD
PROFESSOR: Ronnisson Barbosa
Há muitas exigências para o profissional da educação e o professor Philippe Perrenoud, da Universidade de Genebra, resolveu reunir dez grandes famílias de competências em um livro para orientar e refletir a ação do docente num contexto de constantes transformações. "Enfatizarei o que está mudando e, portanto, as competências que representam mais um horizonte do que um conhecimento consolidado", diz o autor na introdução do livro, que pode interferir na formação contínua de quem se dedica à educação.
Dez novas competências para ensinar, lançado pela Artmed Editora, aborda em cada capítulo, as seguintes faculdades, reconhecidas como prioritárias na formação de professores do ensino fundamental: organizar e dirigir situações de aprendizagem; administrar a progressão das aprendizagens; conceber e fazer com que os dispositivos de diferenciação evoluam; envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho; trabalhar em equipe; participar da administração da escola; informar e envolver os pais; utilizar novas tecnologias; enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão; e administrar a própria formação contínua.
Para "organizar e dirigir situações de aprendizagem", o livro propõe competências mais específicas, como conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e sua tradução em objetivos de aprendizagem. "A competência requerida hoje em dia é o domínio dos conteúdos com suficiente fluência e distância para construí-los em situações abertas e tarefas complexas, aproveitando ocasiões, partindo dos interesses dos alunos, explorando os acontecimentos, em suma, favorecendo a apropriação ativa e a transferência dos saberes, sem passar necessariamente por sua exposição metódica, na ordem prescrita por um sumário", argumenta Perrenoud.
A competência "organizar e dirigir situações de aprendizagem" exige ainda, segundo o livro, trabalhar a partir das representações dos alunos, pois isso pode ajudá-los na aproximação do conhecimento científico a ser ensinado. Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem seria outra competência mais específica, já que considera o erro uma ferramenta para ensinar, "um revelador dos mecanismos de pensamento do aprendiz". O professor também deve saber construir e planejar dispositivos e seqüências didáticas, além de envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento.
A segunda competência, "administrar a progressão das aprendizagens", compreende cinco outras capacidades. A primeira diz que o professor deve conceber e administrar situações-problema ajustadas ao nível e às possibilidades dos alunos. A outra capacidade diz que o docente deve adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino, além de estabelecer laços com as teorias subjacentes às atividades de aprendizagem. O professor também deve saber observar e avaliar os alunos em situações de aprendizagem, de acordo com uma bordagem formativa, e fazer balanços periódicos de competências e tomar decisões de progressão.
Para "conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação", a terceira competência, o professor deve, segundo o autor, administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turma, abrir e ampliar a gestão da classe para um espaço mais amplo, fornecer apoio integrado, trabalhar com os alunos portadores de grandes dificuldades e desenvolver a cooperação entre os alunos e certas formas simples de ensino mútuo.
A quarta competência, "envolver os alunos em sua aprendizagem e em seu trabalho", explica o Perrenoud, deve suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com o saber, o sentido do trabalho escolar e desenvolver na criança a capacidade de auto-avaliação, além de instituir e fazer funcionar um conselho de alunos e negociar com eles diversos tipos de regras e de contratos. O docente ainda pode oferecer atividades opcionais de formação e favorecer a definição de um projeto pessoal do aluno.
O "trabalho em equipe" pede para o professor elaborar um projeto de equipe, com representações comuns, dirigir um grupo de trabalho, com habilidade para conduzir reuniões. Além disso, é importante saber formar e renovar uma equipe pedagógica, enfrentando e analisando em conjunto situações complexas, práticas e problemas profissionais. Administrar crises ou conflitos interpessoais também são habilidades esperadas, segundo o livro.
A participação da administração da escola é fundamental no domínios das competências. É necessário, nesse sentido, elaborar e negociar um projeto da instituição, administrar os recursos da escola, saber coordenar e dirigir uma escola com todos os seus parceiros, além de organizar e fazer evoluir, no âmbito da escola, a participação dos alunos.
O professor, segundo Philippe Perrenoud, deve saber informar e envolver os pais, dirigindo reuniões de informação e de debate. Quando necessário, deve ainda ter a capacidade de fazer entrevistas. Tudo com o objetivo de envolver os pais na construção dos saberes.
A oitava competência, diz o livro, é a de "utilizar novas tecnologias". Inclui saber utilizar editores de textos, explorar as potencialidades didáticas dos programas em relação aos objetivos do ensino e comunicar-se à distância por meio da Internet e de outras tecnologias. As ferramentas multimídia também devem ser consideradas para o ensino.
"Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão" é a nona competência apresentada por Perrenoud. Para ele, o professor deve prevenir a violência na escola e fora dela, lutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociais, e participar da criação de regras de vida comum referentes à disciplina na escola, às sanções e à apreciação da conduta. Nessa competência ainda inclui a capacidade de analisar a relação pedagógica, a autoridade, a comunicação em aula, além de desenvolver o senso de responsabilidade, solidariedade e o sentimento de justiça.
Por último, a competência de "administrar sua própria formação contínua" propõe que o docente saiba explicitar as próprias práticas, estabelecendo seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal de formação contínua. Deve-se ainda negociar um projeto de formação comum com os colegas da escola ou da rede. Envolver-se em tarefas em escala de uma ordem de ensino ou do sistema educativo e acolher a formação dos colegas e participar dela são outras competências específicas esperadas de um profissional da educação.
Na conclusão do livro, para o leitor que sentiu uma certa arbitrariedade com relação às formulações das competências em dez famílias, Perrenoud diz que participou ativamente da redação do livro, mas sentiu um certo grau de imposição. "Isso não tem nada de estranho: todo texto elaborado em um quadro institucional, sobretudo se negociado entre numerosos agentes, revela um compromisso entre lógicas diferentes, e, às vezes, interesses opostos. Ele perde em coerência o que ganha em representatividade", justifica o autor.